quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

"Direitos dos Manos": Cidadania vs Força Policial



     A emulação desconexa entre a atuação policial e os direitos humanos pode ser explicada pelo marcante histórico de violência de policiais contra a comunidade brasileira, principalmente no período da ditadura militar no país em meados da década de 60. Em 1964, tomando frente do governo militar através de um golpe, o marechal Castello Branco iniciou a promulgação de Atos Institucionais, os quais, posteriormente, suspendiam direitos políticos de cidadãos e controlavam seus salários. Com a criação de uma nova constituição (1967), a qual impunha severos controles à sociedade e proibia greves no país, surgiram diversos movimentos sociais de protesto, fazendo com que o governo militar se pautasse neste fato para usar da violência e a tortura como formas de “enfrentar a oposição”. Desde então, criou-se um abismo entre a sociedade e agentes policiais (sejam civis, militares ou federais), onde estes últimos passaram a serem vistos pela comunidade como mecanismo de dominação do Estado, e não promotores de Direitos Humanos, uma vez que já violaram todo e qualquer desses direitos num passado não muito distante.
   Formados sob um sistema de hierarquia e disciplina, policiais buscam preservar a ordem pública, combater crimes e proteger pessoas, desde que cumpram leis, sem distinção de cor ou raça, respeitando o artigo 5º da Constituição Federal. A grande questão é: se estes agentes, atualmente, atuam em prol da execução desses denominados direitos universais – “liberdade, igualdade e inviolabilidade do direito à vida” –, por que seriam contra a efetivação dos direitos humanos?
     Desde a década de 60, criou-se falso arquétipo por parte da polícia, o qual é mantido até os dias de hoje. Esse paradigma sustenta a ideia de que militantes de direitos humanos, buscando um “excesso de proteção” para si mesmos e para a sociedade como um todo, usam desses direitos universais para isentar marginais. E por que foi criado tal arquétipo? Simples! Na ditadura militar, cidadãos os quais se mostravam contra o regime ditatorial automaticamente lutavam pela garantia de seus direitos (humanos), posto que tal regime era totalmente desumano e autoritário. Portanto, nos corpos policiais atuais, uma enorme defasagem de conhecimento acerca da efetivação dos direitos humanos e de compreensão do cenário político da época em que militares agiam contra os DH, faz com que estes agentes se sintam afrontados e sustentem o abismo entre a sociedade e eles próprios, como no cenário da ditadura militar – e tudo isso devido à não aceitação dos manifestos realizados contra a incongruência entre o modo como a polícia atuava e sua missão para com a sociedade naquele período.
Por outro lado, ainda há quem utilize os Direitos Humanos como mecanismo de obter vantagens para si, infringindo a lei e agindo desonestamente. Uma vez que praticada a transgressão, o infrator deverá ser punido, portanto a declaração dos direitos humanos não se trata de apadrinhamento de marginais, mas agir conforme as leis federais. No entanto, não cabe ao policial julgá-lo, uma vez que tal ação é uma tarefa para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Assim, concluímos que, independentemente da gravidade do delito, agentes policiais não devem ou podem julgar ou punir precedentemente um infrator e, por ser muitas vezes ignorado, este fato faz com que a sociedade se sinta reprimida por atos de violência policial usualmente registrados nos dias atuais.
    Um dos maiores desafios a serem enfrentados pela sociedade (principalmente comunidade marginalizada), quando se trata da relação cidadão/polícia, é o descaso escancarado da polícia para com estas comunidades. Além de serem julgadas com base nos reflexos de rebeliões da década de 64, policiais assimilam esses cidadãos a uma fonte de apologistas aos direitos humanos. Por serem defensores de tais direitos, no ponto de vista policial, automaticamente buscam vantagens para si mesmos, mesmo que isso lhe custem a dignidade e/ou moral, uma vez que estes têm uma tendência maior a se integrar ao mundo do crime.
Evidentemente, em todos os cantos do país (seja na cidade grande, na periferia ou no parlamento), há cidadãos desonestos os quais utilizam não só dos DH, mas de outros inúmeros mecanismos para se sobressaírem em relação aos demais. No entanto, o julgamento feito pela polícia e seu respectivo tratamento para com a sociedade periférica é, sem sombra de dúvidas, injusto e indevido, uma vez que está conceituando (erroneamente) toda uma sociedade em razão de um grupo de pessoas as quais agem de má fé.
    Objetivando solucionar esta falta de comunicação entre de ambos os grupos, criou-se o programa “Polícia Comunitária”. Este programa permite a (re)aproximação dos agentes com a sociedade, de modo com que haja cooperação mútua, onde a polícia zela pela paz e melhoria da qualidade de vida nas comunidades, propagando noções de cidadania e priorizando o envolvimento do cidadão na busca conjunta da otimização da segurança local. Assim, esperamos que esta interação entre comunidade e policiais auxilie na compreensão desses últimos acerca do funcionamento e a importância dos direitos humanos. Consequentemente, reparando os erros e acertando as contas do passado, assim proporcionando uma melhor qualidade na segurança e na vida da sociedade brasileira como um todo. 

"É possível ser 100% a favor da polícia e defender os direitos humanos. Isso não devia nem ser algo controverso."

quinta-feira, 15 de junho de 2017

A Lei de Cotas e a questão afro no Brasil





     É justo tratar desigualmente os desiguais? A questão da segregação de etnias no Brasil pode ser tomada como um paradoxo devido à formidável riqueza cultural e vasta diversidade étnico-racial cujo país detém. No entanto, esta pode ser explicada pela discriminação de raças sobre a qual foi construída a sociedade brasileira.
  Apesar da inexistência de registros precisos da chegada dos primeiros negros no Brasil, estima-se que estes foram escravizados por 388 anos, até a assinatura da Lei Áurea em 1888. Após serem libertos, sujeitos a precárias condições de vida e dificuldade de inserção no mercado de trabalho devido, principalmente, à chegada dos imigrantes no Brasil, houve o deslocamento destes para as periferias em busca de sua sobrevivência, isto em meio à meta de branqueamento da população, proposta por João Baptista de Lacerda – onde o antropólogo e médico carioca Baptista acreditava que, no intervalo de um século, com a chegada recorrente dos europeus, a população negra seria “sufocada” e o Brasil estaria livre da herança escravocrata. Diante a estes fatos, podemos relacionar o grande índice de analfabetismo da população negra e sua tendência a integrar-se ao mundo do crime, além de compreender a importância do tratamento individual de acordo com a predestinação social de cada cidadão num país onde a discriminação racial reina desde seus primórdios – “o ser humano é um produto do meio em que ele vive”.
  A hierarquização por tom de pele e a discriminação racial têm se tornado cada vez mais explícitas e banais no dia-a-dia, englobando vários setores e alcançando as mais diversas camadas da sociedade. Devido à resistência da população negra e sua busca pela justiça racial, o governo criou inúmeros programas a fim de sustentar a busca por um caminho para a igualdade, dentre eles, um dos mais significativos e discutidos: as cotas raciais nas universidades - sancionada em Agosto de 2012, a lei de cotas visa reservar, no mínimo, 50% das vagas disponíveis em institutos federais e universidades, em qualquer curso ou turno, para alunos que cursaram integralmente o ensino médio em agências de letramento públicas, cujas famílias têm baixa renda e/ou que se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas).
     Para que obtenhamos uma discussão produtiva sobre a questão das cotas no Brasil, é fundamental que saibamos a respeito da dívida histórica na qual a lei se pauta para auxiliar este grupo, o qual é expressamente marginalizado¹, a se reestruturar. Atualmente, grande parcela da população se posiciona contra a lei de cotas, alegando que estas ferem o princípio da isonomia contido na constituição brasileira, onde “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”. Vejamos: é possível afirmar haver igualdade de raças numa população onde apenas 17% dos negros são ricos e os outros 83% representam três quartos da população mais pobre do país? A grande falha dessa meritocracia constitucional é tentar equiparar grupos sociais usando como referência questões básicas nas quais estes de distinguem. Contudo, mesmo sendo fundamental a oportunidade igualitária para toda a sociedade brasileira, se não houver aprimoramentos desta direcionados à população menos favorecida, se adequando às suas condições e realidades sociais, essa injustiça estará sempre assolando o país.
  Há ainda, pessoas que defendem a ideia de que o governo deve investir prioritariamente na base educacional pública (ensino fundamental e médio) à lei que hoje vigora, o que supostamente facilitaria a entrada de negros nas universidades sem a necessidade de um “privilégio”, como denominam a lei de cotas. Partindo do princípio de que negros representam 56,4% dos alunos de escolas públicas, o investimento seria uma forma de catapultar a reconstrução da população em geral (marginalizada/negra ou não), uma vez que o estudo é a base para a formação de qualquer cidadão enquanto parte da sociedade. No entanto, a relação direta entre a baixa qualidade do ensino brasileiro e a falta de oportunidades da população afro é inconceptível, posto que, não importa o quão (in) substancial seja a qualidade do ensino, se não houver uma porta de entrada dedicada aos negros, não haverá negros nas universidades - não por incompetência destes, mas por falta de motivação e ensejo em virtude à cultura racista que destrói a linda miscigenação brasileira, segregando cada vez mais as diversas etnias contidas no Brasil.
  Esta lei, apesar de apresentar diversas falhas em questões sociais, como não oferecer a mesma oportunidade para indivíduos brancos pobres/marginalizados (ainda que estes, independente de suas condições sociais, apresentam mais facilidade de inserção no mercado de trabalho e aceitação na sociedade em geral), auxilia na tentativa de uma sutil uniformidade entre etnias distintas. Portanto, ainda que apresente pontos onde a injustiça compareça, se faz primordial em sentido de proporcionar ao grupo excluído socialmente em questão, um olhar mais cuidadoso em contexto nacional e mostrar ao Brasil a necessidade de um debate saudável e aprofundamento no estudo do tema para que atinjamos a igualdade racial. 

[1] marginalizado: excluído de uma sociedade, de um grupo, da vida pública etc.

sexta-feira, 24 de março de 2017

Informe-se sobre a PEC 287!


A proposta de emenda constitucional da reforma da previdência (PEC 287/16), apresentada pela equipe do governo de Michel Temer, tem se tornado alvo de críticas e motivo de discussões, principalmente em redes sociais no país. O projeto de lei visa modificar as regras de aposentadoria implantadas na época de Getúlio Vargas, porém, grande parte da população se encontra insatisfeita com tais mudanças.
A PEC 287 será posta em pauta no senado na próxima terça-feira (28/03). Com a aprovação da proposta, a regra geral para a aposentadoria passará a ser aplicada igualitariamente para homens e mulheres, funcionará para trabalhadores do setor público e privado, exigirá uma idade mínima de 65 anos, além de 25 anos de contribuição para receber em média 40% de seu salário e 49 anos para receber uma aposentadoria integral.
Segundo a equipe do presidente da república, o projeto de lei se faz necessário devido ao aumento da expectativa de vida no Brasil, o qual indica um maior gasto em aposentadorias e uma menor mão de obra no país, apontando um rombo de 140 bilhões de reais nos cofres da previdência. Entretanto, a mesma funciona como um ciclo contínuo, onde o dinheiro utilizado vem da contribuição de trabalhadores ativos, os quais contribuem ao longo de sua vida produtiva sustentando os inativos (aposentados); portanto, é um benefício passado de geração para geração, dispensando a participação direta do governo e se tornando um direito universal dos trabalhadores.
Devido à falta de ética do governo ao alegar uma falsa declaração de previdência deficitária, ao omitir o desvio do dinheiro para a construção de grandes obras nas décadas de 50/60 (como a ponte Rio Niterói, Transamazônica), e a não devolução deste dinheiro aos cofres da previdência, uma parcela significativa da população se revoltou e demonstrou seu malgrado nas ruas no dia 15 de março (quarta-feira). O movimento aconteceu nas capitais de 23 estados - reunindo 150 mil trabalhadores apenas em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais.     
 A luta pela retirada do projeto de lei da reforma da previdência paralisou categorias como os correios, polícia civil, metroviários e principalmente professores da rede pública e privada. Em contrapartida, no dia 21 de março (terça-feira), uma proposta de mudança nas regras gerais da previdência foi enviada pelo deputado Arthur Oliveira, visando abster da aplicação da PEC287, apenas setores dominantes na manifestação do dia 15. Acredita-se que, devido à “jogada inteligente” do governo nesse período entre as manifestações, o movimento nacional do dia 28 de março terá um número menor de participantes, enfraquecendo a pressão sobre os deputados e seus votos dentro da Câmara. No entanto, após a afirmativa feita por Michel Temer de que os movimentos contra a PEC não influenciariam na decisão da Câmara, ocorreu a reação imediata dos trabalhadores, os quais decidiram dar continuidade à greve.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Eutanásia: direito à vida ou morte digna?

   


   A eutanásia é um assunto complexo e sensível, por englobar questões científicas, religiosas, éticas, sociais e culturais dentro de uma sociedade. Consiste na aplicação de uma morte rápida e sem dor, destinada a pacientes em estado terminal ou portadores de enfermidades incuráveis. O termo grego euthanasia, traduzido como “boa morte” ou “morte apropriada”, foi proposto por Francis Bacon em 1623, em sua obra “Historia vitae et mortis” como sendo o “tratamento adequado às doenças incuráveis”. Coexistem quatro tipos mais famosos da eutanásia. A eutanásia ativa, embasa-se na utilização de recursos os quais findam com a vida do paciente, tais como injeção letal, medicamentos em dose excessiva, etc. Eutanásia passiva, consiste na morte por falta de recursos necessários para manutenção de suas funções vitais, como a falta de água ou alimentos. A ortotanásia é o ato de parar tratamentos os quais prolongam a vida de forma artificial, é uma forma da eutanásia passiva por fazer com que a morte ocorra de forma mais natural. E por fim, a distanásia respalda-se em prolongar ao máximo a vida de portadores de doenças incuráveis, implicando numa morte lenta e dolorosa.
    A anuência da eutanásia em diversos lugares do mundo varia de acordo com requisitos e aspectos culturais de cada região. A Holanda, por exemplo, foi o primeiro país do mundo a legalizar e regulamentar a prática da eutanásia. Porém, após a médica Geertruida Postma praticá-la contra sua própria mãe (a qual se encontrava doente e pedia que sua filha retirasse-lhe a vida), foram estabelecidas regras gerais para esta prática. Portanto, só pode-se realizar o processo se: o paciente tiver uma doença incurável e estiver com dores insuportáveis; o paciente deve ter pedido, voluntariamente, para morrer, e depois que um segundo médico tiver emitido sua opinião sobre o caso. Em 13/02/2014, na Bélgica, o senador socialista Philippe Mahou promoveu uma lei que autoriza a execução da eutanásia em menores de idade – foi o primeiro país a liberá-la para jovens, além de ter sido o primeiro a registrar um caso do mesmo. Já no Brasil, a eutanásia é considerada homicídio. Apesar de estar correndo no Senado Federal um projeto de lei 125/96, elaborado em 1995, estipulando padrões para a legalização do processo, este é bastante falho em ítens fundamentais, tais como o estabelecimento de prazos para que o paciente reflita sobre sua decisão.
    Pessoas contrárias a essa prática, usam como argumentos princípios religiosos e sucessão de bens. Já os defensores da execução, levam em conta a vontade do enfermo e o direito a uma morte mais digna. Entretanto, existe um paradoxo da parte dos médicos, os quais juram “manter o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção. Mesmo sob ameaça, não usar seu conhecimento médico em princípios contrários às leis da natureza”; porém, ao analisarmos isoladamente os conceitos de “leis da natureza”, entende-se que a eutanásia é uma aceleração do processo natural da morte de um enfermo. Contudo, analisando uma situação hipotética na qual um paciente outorga a retirada de sua própria vida, presume-se que o mesmo se encontra num alto grau de sofrimento – seja questão física ou psicológica. Além de ser levado em conta o estado emocional/psiquiátrico do paciente, este não só pode como deve exercer sua função de ser dono do próprio corpo e determinar o que julga ser mais adequado para si mesmo. Podemos citar como exemplo o caso do britânico Jeffrey Spector, um empresário de 54 anos, o qual tinha um tumor inoperável que o deixaria paralisado, o matando supostamente. Jeffrey cometeu suicídio assistido em uma clínica na Suíça, após alegar que queria ter o controle sobre as fases finais de sua vida e explicando: “nunca julgue ninguém até que tenha estado em seu lugar. Sei que estou indo cedo demais. Minha família discorda, mas eu acredito que isso seja melhor para ela”.
    É primordial que respeitemos a opinião de cada indivíduo enquanto cidadão, portanto faz-se da eutanásia um meio de demonstração deste. Afinal, “a eutanásia deve ser a expressão da vontade do sujeito, não a do Estado, do serviço de saúde, de uma ideologia ou do profissional de saúde” – Sérgio Rego, presidente da Sociedade de Bioética do RJ.


Colaboração de Matheus Ediley

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Chega de silêncio: precisamos falar de aborto!

    


      A questão do aborto no Brasil tem sido alvo de muitas críticas e motivo de diversas discussões. Apesar de polêmico, o debate sobre o assunto se torna primordial a partir do momento em que afeta não só princípios morais, mas também reflete diretamente nos índices de violência e na situação social do país.
  Deste tópico ramificam-se dois pontos de vista prevalecentes: os prós e os contras. Alguns pró-aborto defendem a ideia de que, nos três primeiros meses da gestação, o feto não possui capacidade de distinguir sentidos ou realizar alguma atividade cerebral – o que foi cientificamente provado. Já os contras, alegam que há vida desde a concepção, o que é uma visão formada com base em conceitos religiosos. O tema vem sendo discutido incessantemente por internautas, a fim de chegarem a uma conclusão sensata, mas o Estado ainda se encontra dividido quanto ao assunto, e se omite.
      Atualmente, são legais abortos envolvendo gestações as quais geram riscos à mulher e/ou resultantes de estupro, mas o que se encontra em pauta, por baixo de toda a discussão, é a segurança e a liberdade da mesma. No dia 29 de novembro de 2016, a primeira turma do STF julgou um caso de aborto em Duque de Caxias em que os médicos realizaram o processo com o consentimento da mãe, mesmo não seguindo padrões da constituição, provocando a prisão provisória dos envolvidos. Após a soltura dos médicos, uma parte do STF se posicionou a favor perante ao tópico. Entretanto, ainda no dia 29, o presidente da casa legislativa (Rodrigo Maia) criou uma comissão para que fosse discutida a questão do aborto. Contudo, ao final do debate, tendo tomado a decisão sob pressão da bancada evangélica, Maia alegou que “o aborto é um crime abominável por ceifar a vida de um inocente”.
      Estudos comprovam que em países onde o aborto foi legalizado, houve significativa queda no número de mortes maternas, além da redução da prática do mesmo. Isso se dá pela cautela da parte do governo em não só legalizá-lo, mas promover políticas públicas de prevenção, assistência social e investir em educação sexual, além de interromper um ponto central de todo o ciclo vicioso, em que a criança nasce devido à ilegalidade do aborto e é abandonada pelos pais, os quais não têm preparação ou condição de criar e educá-la. Esta por sua vez cresce em meio à família desestruturada, dando continuidade ao círculo de abandono que se reflete através da ausência de consciência sobre si mesmo, enquanto cidadão.
      O conceito de aborto é relativo, uma vez que o abandono é uma espécie deste. Devido à cultura machista do país, a responsabilidade do aborto cai inteiramente sobre a mulher, mesmo este sendo uma via de mão dupla, afinal quando um homem abandona uma mulher e seu filho, está cometendo o denominado “aborto social”, assim induzindo-a a realizar o aborto físico. Contudo, a culpa ainda recai sobre a gestante. Exemplo de aborto social é o abandono de crianças, como o caso de Simone Cassiano da Silva, que embrulhou sua filha em um saco plástico e a arremessou na Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte/MG, em 28 de janeiro de 2006. Podemos citar também o caso de uma menina de 7 anos que foi estuprada pela mãe juntamente com o padrasto no dia 17 de dezembro de 2016 em Petrópolis/RJ. Analisando os casos, nota-se que há necessidade de chegar a um consenso, mas levando em consideração todos os lados, pois se trata de uma situação dispare, que envolve vários fatores – emocionais, econômicos, religiosos, culturais e sociais. Vale ressaltar que apesar da constituição garantir o direito à vida, na prática o Estado não o faz, o que reforça o abandono social.

"Se todo aborto é um mal, a clandestinização do aborto é uma catástrofe."
- Álvaro Cunhal