quinta-feira, 15 de junho de 2017

A Lei de Cotas e a questão afro no Brasil





     É justo tratar desigualmente os desiguais? A questão da segregação de etnias no Brasil pode ser tomada como um paradoxo devido à formidável riqueza cultural e vasta diversidade étnico-racial cujo país detém. No entanto, esta pode ser explicada pela discriminação de raças sobre a qual foi construída a sociedade brasileira.
  Apesar da inexistência de registros precisos da chegada dos primeiros negros no Brasil, estima-se que estes foram escravizados por 388 anos, até a assinatura da Lei Áurea em 1888. Após serem libertos, sujeitos a precárias condições de vida e dificuldade de inserção no mercado de trabalho devido, principalmente, à chegada dos imigrantes no Brasil, houve o deslocamento destes para as periferias em busca de sua sobrevivência, isto em meio à meta de branqueamento da população, proposta por João Baptista de Lacerda – onde o antropólogo e médico carioca Baptista acreditava que, no intervalo de um século, com a chegada recorrente dos europeus, a população negra seria “sufocada” e o Brasil estaria livre da herança escravocrata. Diante a estes fatos, podemos relacionar o grande índice de analfabetismo da população negra e sua tendência a integrar-se ao mundo do crime, além de compreender a importância do tratamento individual de acordo com a predestinação social de cada cidadão num país onde a discriminação racial reina desde seus primórdios – “o ser humano é um produto do meio em que ele vive”.
  A hierarquização por tom de pele e a discriminação racial têm se tornado cada vez mais explícitas e banais no dia-a-dia, englobando vários setores e alcançando as mais diversas camadas da sociedade. Devido à resistência da população negra e sua busca pela justiça racial, o governo criou inúmeros programas a fim de sustentar a busca por um caminho para a igualdade, dentre eles, um dos mais significativos e discutidos: as cotas raciais nas universidades - sancionada em Agosto de 2012, a lei de cotas visa reservar, no mínimo, 50% das vagas disponíveis em institutos federais e universidades, em qualquer curso ou turno, para alunos que cursaram integralmente o ensino médio em agências de letramento públicas, cujas famílias têm baixa renda e/ou que se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas).
     Para que obtenhamos uma discussão produtiva sobre a questão das cotas no Brasil, é fundamental que saibamos a respeito da dívida histórica na qual a lei se pauta para auxiliar este grupo, o qual é expressamente marginalizado¹, a se reestruturar. Atualmente, grande parcela da população se posiciona contra a lei de cotas, alegando que estas ferem o princípio da isonomia contido na constituição brasileira, onde “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”. Vejamos: é possível afirmar haver igualdade de raças numa população onde apenas 17% dos negros são ricos e os outros 83% representam três quartos da população mais pobre do país? A grande falha dessa meritocracia constitucional é tentar equiparar grupos sociais usando como referência questões básicas nas quais estes de distinguem. Contudo, mesmo sendo fundamental a oportunidade igualitária para toda a sociedade brasileira, se não houver aprimoramentos desta direcionados à população menos favorecida, se adequando às suas condições e realidades sociais, essa injustiça estará sempre assolando o país.
  Há ainda, pessoas que defendem a ideia de que o governo deve investir prioritariamente na base educacional pública (ensino fundamental e médio) à lei que hoje vigora, o que supostamente facilitaria a entrada de negros nas universidades sem a necessidade de um “privilégio”, como denominam a lei de cotas. Partindo do princípio de que negros representam 56,4% dos alunos de escolas públicas, o investimento seria uma forma de catapultar a reconstrução da população em geral (marginalizada/negra ou não), uma vez que o estudo é a base para a formação de qualquer cidadão enquanto parte da sociedade. No entanto, a relação direta entre a baixa qualidade do ensino brasileiro e a falta de oportunidades da população afro é inconceptível, posto que, não importa o quão (in) substancial seja a qualidade do ensino, se não houver uma porta de entrada dedicada aos negros, não haverá negros nas universidades - não por incompetência destes, mas por falta de motivação e ensejo em virtude à cultura racista que destrói a linda miscigenação brasileira, segregando cada vez mais as diversas etnias contidas no Brasil.
  Esta lei, apesar de apresentar diversas falhas em questões sociais, como não oferecer a mesma oportunidade para indivíduos brancos pobres/marginalizados (ainda que estes, independente de suas condições sociais, apresentam mais facilidade de inserção no mercado de trabalho e aceitação na sociedade em geral), auxilia na tentativa de uma sutil uniformidade entre etnias distintas. Portanto, ainda que apresente pontos onde a injustiça compareça, se faz primordial em sentido de proporcionar ao grupo excluído socialmente em questão, um olhar mais cuidadoso em contexto nacional e mostrar ao Brasil a necessidade de um debate saudável e aprofundamento no estudo do tema para que atinjamos a igualdade racial. 

[1] marginalizado: excluído de uma sociedade, de um grupo, da vida pública etc.

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